Por Daniel Dantas.
O receio havia tomado conta de mim há alguns dias.
Apesar da história que carrego, dos protestos de Natal, o cenário contemporâneo começou a mudar minhas impressões.
E hoje o meu receio virou um concreto medo.
Em Natal sempre que fomos às ruas havia uma pauta muito bem
definida. Hoje, em Fortaleza, a disparidade e a difusão das pautas me
deixaram ainda mais assustado. Afinal, você está lutando contra o quê?
Ou pelo quê?
Não há muita certeza.
Um rapaz, com máscara de Guy Fawkes, hostilizou um militante petista de camiseta e bandeira. Fui conversar com ele:
- Lutamos contra Dilma e o cara vem com a bandeira dele?, disse.
- E qual das pautas do movimento é contra o Executivo Federal?, perguntei.
- A PEC 37, ele respondeu.
- A PEC 37 é com o legislativo, não depende da Dilma.
- Mas vai para ela para aprovar…
- Sim, mas é uma pauta do legislativo.
No fim, ele reconheceu que as demais pautas eram ligadas à gestão municipal ou estadual.
O que a Dilma estava fazendo mesmo no protesto?
Meus ouvidos ainda ecoam o grito de “Vem pra rua!”
Eu defendi que a rua precisava contar com a presença dos partidos
da esquerda, inclusive daqueles que apóiam o governo. A fumacinha de um
movimento catártico que podiam degringolar em uma ação golpista já
aparecia e a única alternativa que me parecia lógica era ir disputar o
espaço das ruas.
Mas aí eu fui para o protesto de hoje em Fortaleza. E tudo mudou – para pior.
Antes de sair da UFC, discuti com alunos que defendiam que as
bandeiras dos partidos deveriam ser proibidas no protesto. Sua
incapacidade de ouvir o que eu falava me fez pensar na inconseqüência
dos seus atos: há condições históricas para uma revolução? Há uma
eleição ano que vem – o que será dela? Vocês traçam estratégias para o
ato com antecedência? O que farão se houver um confronto com a polícia?
Nenhuma das minhas perguntas foi considerada. Confesso que esse iconoclastissismo radical me assistou e entristeceu.
Sai de lá com a pulga atrás da orelha.
No protesto podia ver dois grupos que me preocuparam ainda mais: de
um lado, jovens absolutamente despolitizados. De outro, gente que foi
para quebrar o que for possível.
Na frente da Assembleia Legislativa esse grupo estourou algumas
bombas sem mais gravidade. E isso você não viu na cobertura da Globo.
O protesto seguiu e quase se dividiu quando decidiu se dirigir para
o Palácio da Abolição. Isso a Globo também não disse: depois de certa
relutância, todos seguiram para o Palácio.
Vi meninos carregando estilingues. Vi fortões muito parecidos com
os que apareceram em São Paulo. Vi P2, alguns muito mal disfarçados,
acompanhando o protesto em marquises ou calçadas.
Cheguei no mausoléu de Castelo Branco, ao lado do Palácio, sentei
na grama. Tentei religar a transmissão, mas seguia sem Internet.
A tensão era palpável.
Os provocadores queriam agir. E agiram: começaram a disparar rojões
e coquetéis molotov contra o Palácio da Abolição. A PM não havia agido
até então. Não adiantaria mais aos manifestantes pacíficos recolocar no
lugar as grades que os agitadores jogavam no chão.
Nesse momento revi cartazes moralistas. Tenho medo de cartazes
moralistas: “Pena de morte para a corrupção”, dizia um. O grito de “Sem
partido” também ainda ecoa na cabeça.
Foi esse cenário que me desfez as esperanças: há gente interessada em gestar um golpe de estado no Brasil.
Tive receio pela integridade física do jornalista da Verdes Mares/Globo que estava lá.
A cena de ataque a prédios de governos se repetiu, quase como se
fosse articulada, Brasil afora. As cenas que a TV mostrou em Belém
foram muito semelhantes às de Fortaleza.
E nós não sabíamos o que ocorria no resto do país. Em São Paulo,
militantes de PT, PCdoB, PSTU foram hostilizados aos gritos de Ditadura
Já.
Em Natal, militantes de partidos foram agredidos. Dário Barbosa, dirigente do PSTU, sofreu uma garrafada.
A sensação com a qual eu sai das ruas hoje é de que há alguém gestando um golpe de estado no Brasil.
Hora de os partidos, os democratas e as esquerdas se unirem enquanto houver tempo.
Sempre fui para as ruas numa luta por mais democracia. Atacar os
partidos e esses símbolos do governo só serve para que consigamos menos
democracia – ou nenhuma.
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